10/11/2020

CRÔNICA ESFARRAPADA


Sempre achei que fosse folclore essa história de que os escritores, de vez em quando, têm um bloqueio criativo e não conseguem produzir nada. Pois aconteceu comigo pela primeira vez: a síndrome da página em branco. Ou melhor, da tela do Word em branco. Já estou há horas na frente do computador tentando ter uma ideia, encontrar um assunto, divagar em cima de alguma fofoca, lembrar de coisas engraçadas (reais ou imaginárias) e nada. Nem um titulozinho fui capaz de inventar para servir de ponto de partida.

Logo o prazo de fechamento da coluna vai se esgotar e, caso o lado direito do meu cérebro continue em greve, existe uma grande possibilidade de eu ficar desempregado antes do fim do ano. Pensei em fazer como o Rubem Braga fazia quando não sabia o que escrever, ele mandava o leitor se catar e pronto, sugeria que ocupassem o tempo com coisas mais úteis ou que fossem ler outros colunistas e o deixassem em paz. Só que o Rubem Braga era o maior de todos, podia tudo. Enquanto euzinho, um ilustre desconhecido, se tentasse coisa parecida, correria o risco de não ser mais lido nem pela própria família.

Fácil mesmo seria falar sobre as eleições nos Estados Unidos, sobre a cara permanente de cu com cãibra do presidente Trump, ainda mais contraída e apatetada após a acachapante derrota. No campo dos fracassos, tirar sarro do Flamengo não é uma opção que se possa descartar, visto que seus zagueiros medianos e seus laterais idosos talvez rendam uns parágrafos. Mas é que já tem tanta gente comentando de política e futebol – e parece que o mundo gira em torno disso – que eu acabaria me transformando em mais um chato sem inspiração, fazendo de conta que entendo de tudo, cagando-regras e proferindo bobagens, uma espécie de Galvão Bueno das letras.

Assim, sob pressão, sobram poucas opções. Advogados escrotos? O preço do óleo de soja? Quem sabe a pandemia resulte em algumas linhas, sobretudo por que as vacinas que pipocam aqui e acolá coloquem em xeque o limite da inépcia dos que governam. A implantação do Pix é outro tema atraente, porém, infelizmente, não tenho cacife para discorrer acerca de nenhum aspecto econômico ou tecnológico do sistema bancário brasileiro, a não ser que "pix", na minha época, era somente uma agulhada de injeção.

Tanta coisa mereceria ser dita numa crônica. Pena que eu não seja um iluminado, com o poder de controlar as palavras a qualquer momento, que nem o Zuenir Ventura, por exemplo. Aliás, dou graças ao Senhor por conseguir controlar pelo menos o meu esfíncter e, de vez em quando, cometer um texto engraçadinho. Pensando bem, é melhor não escrever nada do que bostear uma constantinice qualquer. Vovô sempre dizia: em boca fechada não entra mosquito. Amanhã converso com o editor, não há de me faltar inspiração para uma boa desculpa esfarrapada.

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