16/07/2020

FICUS BENJAMINA


Subiu na figueira e não descia de jeito nenhum. Desde que a construtora descumprira o acordo de preservar as árvores e demolir apenas o sobrado, ele estava acorrentado aos galhos mais altos. Do pouco que havia no terreno onde nasceu, não ligava tanto para a casa. Sua grande paixão era a centenária figueira, onde costumava se refugiar depois das aulas na escolinha do bairro. Tratou de arranjar uma corrente e um cadeado assim que viu metade do pomar destruído pelas máquinas, e não teve dificuldade para subir a quase cinco metros de altura. Exigia uma intervenção judicial que garantisse o cumprimento do contrato.

Um pequeno grupo de curiosos e dois ou três fotógrafos da imprensa escrita já ocupavam parte da calçada do outro lado da rua. A família, também presente, reduzida a um irmão e à esposa, não compartilhava do mesmo sentimento pela causa. Os operários da obra paralisaram as atividades e aguardavam instruções do advogado da empresa.

Durante os três dias em que estava ali, alimentou-se de algumas balas que trouxera nos bolsos e bebeu água da chuva. Não queria conversa nem aceitava ajuda. Pensava nos melhores momentos de sua infância, no quanto tinha sido lindo aquele lugar e no balanço que o avô construíra para ele, pouco abaixo do galho em que agora se encontrava.


Pensou também no restante da cidade, absolutamente tomada por fábricas e edifícios. Carregava a impressão de que a figueira era o único pedaço de natureza sobrevivente, solitária como ele, na imensidão da selva de pedra. Lembrou dos milhares de pinguins mortos no litoral catarinense devido a um vazamento de óleo no mar e da devastação de metade da Floresta Amazônica em território mato-grossense para beneficiar plantadores de soja. Sentiu um súbito desânimo, muito maior que o cansaço pela posição incômoda no alto da árvore.

Perto da meia-noite, notou que a rua estava vazia. O vigilante da construtora fazia sua ronda do outro lado do terreno. Ele abriu o cadeado, soltou a corrente e desceu da velha figueira. Silenciosamente, caminhou pelas sombras até tomar o rumo de casa. Preferiu desistir antes que o considerassem louco. Não podia mesmo fazer mais nada.

07/07/2020

MUNDANA


– Já vou indo – ele diz, abotoando nervosamente a braguilha.
– Pode ficar se quiser.
– Não, não posso.

Levanto para levá-lo até a porta. Sinto a porra ainda quente me escorrer por entre as pernas. Visto o robe e esfrego uma coxa na outra enquanto caminho. O velho me estende duas notas de cem.

– Toma aqui.
– Não tenho troco.
– Não faz mal, semana que vem eu desconto.
– Tá.

Ofereço o rosto para um beijo, mas ele não entende. Me dá apenas um tapinha nas costas enquanto roça sua enorme barriga na minha cintura. Desaparece no fim do corredor. Fecho a porta, o telefone toca.

– Alô.
– Quem fala?
– Madre Teresa.
– Oi, gostosa!
– Vendeu as fotos?
– Vendi.
– Não acredito! Pros japoneses?
– É... e eles querem mais.
– De que tipo?
– Aquelas com a tua amiga, como é mesmo o nome?
– Marcinha.
– Isso mesmo.
– Me traz a grana hoje à noite que a gente combina.
– Só se tiver trepada.
– Nem pensar.
– Boquete?
– Não.
– Punhetinha!
– Fechado.

É o preço da eficiência. Desligo aliviada. Corro para o banheiro, nua pelo apartamento. Talvez um bom banho me lave a alma. Deixo a água correr no ar e depois pelo corpo. Esqueço um pouco do mundo lá fora.

Ao fechar o chuveiro, sinto frio, um arrepio que congela os ossos. Enxugo cabeça, tronco e membros. Quando finalmente paro em frente ao espelho, percebo as marcas dos dentes do velho nos meus peitos. Filho da puta! Procuro o pan-cake na gaveta, disfarço o que posso.

Visto minha melhor roupa de passeio, faço uma maquiagem discreta e não fico satisfeita. Só nascendo de novo, então. Saio pela garagem, atrasada, tentando me equilibrar no salto um tanto alto. Ela já me espera do outro lado da rua.

O carro não é o mesmo, mas é maior e mais bonito que o da última vez. Sorri quando me vê.

– Oi – cumprimento.
– Quinze minutos atrasada.
– Desculpa... vamos lá?
– Sinceramente, hoje eu só queria companhia.
– Sem problemas.

Entro no carro e sinto seu perfume.

– Vamos ao cinema?
– Vamos.

Ela abre a bolsa, tira um maço de cigarros e uma nota de cem.

– Toma...
– Não precisa.
– É pelo tempo perdido.

Aceito a nota. Ela acende um cigarro e dá uma tragada longa. Solta a fumaça pela janela e atira o cigarro na calçada. Nada entendo. Guardo meu dinheiro, já com o automóvel em movimento. Passo suavemente a mão em seus joelhos, em sua coxas, em sua barriga. Levanto sua saia e invado o delicado vale entre suas pernas. Sinto a umidade e o calor.

– Hoje não, por favor...
– Tudo bem.

Sei que não iremos a nenhum cinema. Rodamos sem parar, durante quase uma hora, pela cidade cinzenta e vazia. O céu escurece rápido, então peço a ela que me deixe no endereço – impossível de ser pronunciado – que mostro anotado em um guardanapo. Rimos juntas uma última vez.

Quando o carro para em frente à casinha verde, me despeço com dois beijos, um no rosto, outro na boca. Ela fica de ligar na próxima semana, o que consinto com um movimento de cabeça. Nem amor nem dor, apenas a sensação de dever cumprido.

Entro pelo portãozinho enferrujado e toco a campainha. Ouço passos do lado de dentro. Ele abre a porta, de pijama, um pouco despenteado, cara de sono.

– Oi, mulher!
– Não sou mais sua mulher, esqueceu?
– Pra mim é como se fosse...
– As crianças?
– Na escola.

Abro minha bolsa e tiro o bolo de notas que nem tive tempo de contar.

– Vim trazer o dinheiro.
– Ainda tem do mês passado.
– Não faz mal, compra alguma coisa pra você.
– Quer entrar? Acabei de passar um café.
– Não, não, tenho que ir.
– Tá.

Viro as costas e saio apressada pela rua sem calçamento. Noto um fio puxado na meia fina. Merda! Ajeito a calcinha que vai entrando na bunda. Chamo um táxi e relaxo um pouco. Tento lembrar de cabeça o número do telefone da minha amiga Marcinha.