02/07/2019

UM FURTO FURTIVO


Roubaram o meu capacho. E não me refiro a nenhum aspone puxa-saco nem a nenhuma secretária adepta do serão extra noturno, não. Roubaram mesmo foi o tapetinho que fica do lado de fora da porta de entrada do meu apartamento.

Um caso muito estranho: cheguei do trabalho e ele, que é peludo, com formato e estampa de gatinho, não estava no lugar de sempre. Olhei primeiro pela janela do corredor, afinal, podia ter voado lá embaixo, como aconteceu há pouco tempo com o tapete de pele de urso de uma senhora do andar de cima. Olhei também na lixeira do prédio. Procurei nas portas dos outros apartamentos, pois a faxineira do período vespertino, já um tanto idosa, eventualmente promove uma dança de capachos no condomínio, inclusive entre os andares. Mas não, nada. Sumiu, desapareceu, escafedeu-se. A velhinha não viu, o porteiro não viu, o zelador não viu, o síndico não viu.

Claro que ninguém viu, certamente estão todos mancomunados com o larápio de adornos de piso que, por sua vez, deve servir a uma rede internacional de tráfico de pelegos com motivos animais.



Na minha lista de suspeitos, em avaliação preliminar, figuram as gêmeas do fim do corredor, sobretudo a mais antipática; o padre Parkinson, com menos chance, pois se ele pegasse o capacho ao meio-dia eu ainda o alcançaria antes das seis da tarde; a estudante solitária e tímida, provavelmente como forma de chamar a atenção antes de apelar para o suicídio; o pai solteiro, tendo como cúmplice a sua filhinha com cabelo de Playmobil, porque a menina decerto achara o tapete fofinho; e, por último, o velho pedófilo da porta ao lado, que pode tê-lo oferecido como mimo a uma de suas vítimas, dizendo carinhosamente: "dá uma pegadinha aqui no gatinho peludo do vovô, dá". O fato é que todos tinham um motivo razoável para cometer o crime.

Agora, de cabeça fria, passadas algumas horas da lamentável ocorrência, já não penso mais em denunciar nem em dar porrada no meliante ou na meliante que subtraiu o tapetinho da minha porta. Decidi que não vale a pena perder o sono por uma caganifância dessas. Amanhã compro outro capacho e pronto, também em formato especial, com desenho de bichinho, tão atraente quanto o antigo.

Por precaução, o próximo ficará colado ao chão com Superbonder, ligado a um sensor de movimento e a uma câmera fotográfica embutida no olho mágico. Eu sempre fui assim, desapegado das coisas materiais.