13/08/2020

LOGÍSTICA


Foi no meio do nada que o carro pifou. Não exatamente no meio do nada, mas em um lugar bem longe de casa, sem comércio nem residências, apenas com várias pistas de avenida, um acostamento, uma ciclovia e metros e metros quadrados de calçamento, grama e árvores. O painel interno, iluminado por causa dos faróis acesos àquela altura da noite, de repente se apagou inteiro, ainda com o veículo em movimento. Arregalei os olhos e procurei a pista da direita, até conseguir encostar com segurança. O motor 1.8 já não dava mais sinal de vida.

Fazia alguns dias que eu abastecera com sete reais e cinquenta centavos, portanto, não podia acreditar que a pane tivesse ocorrido por falta de gasolina. Como o rádio funcionava, concluí que o problema não estava na bateria. Vasculhei de ponta a ponta a gigantesca paisagem urbana e não avistei nenhum posto de combustíveis. Então peguei um pedaço de mangueira de gás e uma garrafa plástica (que sempre carrego no porta-malas) e me aproximei do automóvel mais antigo estacionado nas redondezas, um modelo do tempo em que os tanques de gasolina não tinham chave. Eu só precisava de meio litro para dar novamente a partida. Introduzi uma ponta da mangueira na abertura e suguei a outra extremidade com toda a força. Engoli praticamente todo o líquido e acabei por perder os sentidos ali mesmo, na escuridão do passeio público.

Mentira.

Liguei o alerta e me refiz do susto. Girei a chave mais algumas vezes, sem resultado. Saltei do carro e passei a andar em torno dele (eu penso melhor caminhando), tentando achar uma solução para o incidente. Não havia guardas por perto, nem da polícia militar nem da guarda municipal. O celular, assim como o combalido Kadett 1998, estava mortinho da silva. Somente um andarilho meio bebum me observava da calçada, com olhar curioso. Perguntei quanto cobraria para ajudar a empurrar o possante até em casa e, para minha surpresa, ele topou por módicos dez reais. Antes que o homem mudasse de ideia, destravei o volante, desengatei a marcha e dei o primeiro impulso para movimentar as rodas. Pois foi assim: eu do lado esquerdo, ajeitando a direção pela janela, e o meu assistente empurrando a traseira por dez intermináveis quilômetros.

Mentira.

Caralhos me mordam! Foi o que eu disse quando o carro parou. Já passava das nove horas da noite de um dia cansativo e chuvoso, daqueles que custam a chegar ao fim e sempre reservam alguma surpresa desagradável perto de acabar. Com o celular sem carga na bateria, o seguro vencido e nenhum telefone público nas redondezas, não tive dúvidas: levantei os vidros, tranquei as duas portas da lata velha e corri para o ponto. Peguei o primeiro ônibus que ia na direção do meu bairro. "Amanhã mando guinchar essa merda", ainda pensei antes de embarcar.

06/08/2020

LETRA & MÚSICA


Era um casal aficionado da MPB e do pop-rock nacional. Sentados frente a frente, na pequena mesa redonda de um barzinho com som ao vivo, conversavam pela última vez antes da separação.

– Sei que você fez os seus castelos e sonhou ser salva do dragão.
– Eu apenas queria que você soubesse que esta menina hoje é uma mulher.
– Eu quero é viver em paz! Por favor, me beije a boca...
– Se você não entende, não vê...
– Eu quis dizer, você não quis escutar.
– O que me importa essa tristeza em seu olhar?
– Não tem jeito mesmo, não tem dó no peito, não tem nem talvez.
– Não pense na separação... não despedace o coração...
That’s over, baby! Freud explica.
– Agora que faço eu da vida sem você?
– Não me procure mais... assim será melhor, meu bem.
– Nós somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e sons.
– Desculpe o auê, eu não queria magoar você.
– Eu nem sonhava te amar desse jeito.
– A emoção acabou...
– O que é que há? O que é que tá se passando com essa cabeça?
– Nada, nada, nada, nada!
– Nunca se esqueça, nem um segundo, que eu tenho o amor maior do mundo.
– Bem que se quis, depois de tudo, ainda ser feliz.
– Nada mais vai me ferir, eu já me acostumei.
– É isso aí.
– Então vem cá, me dá sua língua...

Beijaram-se despudoradamente durante alguns minutos. O que ela imaginou ser uma reconciliação, para ele era uma despedida. Pediram mais dois chopes, uma porção de fritas e retomaram o diálogo.

– Desejo que você tenha a quem amar.
– Mas não quero deixá-lo na mão nem sozinho no escuro.
I don’t want to stay here, I wanna to go back to Bahia.
– Eu prefiro as curvas da estrada de Santos.
– Devia ter me importado menos com problemas pequenos...
– Eu vejo flores em você!
– Pra ser sincero, não espero de você mais do que educação.
– Prefiro ser essa metamorfose ambulante...
– Eu tô voltando pra casa.
– Decida o que é bom pra você.
– Ah, mas o que você espera de mim...
– Devolva o Neruda que você me tomou e nunca leu.


Gabarito: Marina Lima (Erasmo Carlos), Gonzaguinha, Djavan, Kiko Zambianchi, Paralamas do Sucesso, Tim Maia (Cury Heluy), Geraldo Azevedo, Gilberto Gil, Zé Ramalho, Fernando Mendes, Leno & Lilian, Lulu Santos, Rita Lee, Guilherme Arantes, Cazuza, Fábio Jr., Blitz, Roberto Carlos, Marisa Monte, Legião Urbana, Ana Carolina & Seu Jorge, Seu Jorge, Frejat, Marina Lima, Paulo Diniz, Roberto Carlos, Titãs, Ira!, Engenheiros do Hawaii, Raul Seixas, Lulu Santos, Zélia Duncan, Raul Seixas, Chico Buarque.

LETRA & MÚSICA (2) – LEIA AQUI