10/05/2020

ESPIRAL DO SILÊNCIO


Somos cinco na mesa de sempre, perto da janela, à esquerda da porta de entrada. As outras mesas da cantina também estão ocupadas. Os músicos deram uma pausa, as pessoas agora falam e riem um pouco mais baixo. Estamos na quinta rodada de vinho e polenta.

Meu amigo Júlio me aponta um homem no balcão do bar. Ana, Lúcio e Lígia viram-se para olhar.

– É aquele nojento do Gustavo! – diz Ana, franzindo as sobrancelhas.
– Eu até que gosto dele, sujeito bacana – pondera Lúcio.

Guga Menezes é artista plástico. Estudamos juntos, os seis, nos últimos anos do colegial. Ele foi muito famoso e ganhou algum dinheiro, hoje está pobre e é soropositivo. Aceno para que venha beber conosco.

Ana pede licença, levanta-se e vai ao banheiro. Lúcio e Lígia enchem suas bocas de polenta.

– Ora, ora... como vão os inseparáveis?
– Vi você no jornal um dia desses – eu digo.
– Ah, é... foi no sábado, me entrevistaram para saber de um argentino que pagou dez mil por uma escultura minha, nem acreditei.
– Caralhos me mordam! – exclama Júlio, sem se conter.

Guga nos conta que já não tem ânimo para o trabalho, mas que fará uma última exposição, de quadros e esculturas, no fim do próximo mês, no Museu de Arte. Convida a todos para o evento e se despede:

– Pois bem... não vou mais constranger os amigos com a minha presença, espero revê-los em breve.

O artista toma outro gole de vinho e volta ao bar, enquanto Ana retoma seu lugar à mesa.

– Onde é que você se meteu? – pergunto.
– Tava no banheiro.
– E mijou durante quinze minutos?
– Vai te foder, Júlio! – Ana se exaspera, aos prantos.

Entreolhamo-nos. Lígia incentiva:

– O que foi, querida? Fala pra gente...
– A culpa é minha! Podem me denunciar!
– Culpa de que, querida? Não estamos entendendo.
– Eu infectei ele... trepei com ele de propósito.

Os músicos voltam a tocar, ninguém ouve a voz de ninguém.

Meia hora depois, pagamos nossa conta e vestimos nossos casacos. Todos os lugares ainda estão ocupados, há uma fila de espera do lado de fora da cantina. Na calçada, nada de abraços. Cada um, em seu íntimo, sabe que nunca mais seremos cinco na mesa de sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário