25/02/2020

FOLIA & CINZAS


Eu não gosto nadinha de Carnaval. Que me desculpem aqueles que gostam, mas essas festas populares, com muita gente alegre reunida, onde ninguém é de ninguém e o aumento da taxa de natalidade no mês de novembro é recorde, na verdade, me deixam até um pouco deprimido. Pelo menos o feriadão é longo e, acabada a folia, da Quarta-Feira de Cinzas em diante, surgem ótimas histórias para se contar ou para se esquecer, dependendo de qual lado da trama você faz parte. Eu não faço parte de trama nenhuma, obviamente, visto que o meu último desfile no bloco Acadêmicos do Ortobom não foi dos mais emocionantes e ainda estourou o tempo.

Falando em histórias, lembrei de uma boa: um conhecido de infância – hoje dono de bistrô –, sujeito grande, adiposo e peludo, cismou de sair vestido de odalisca, com uma fantasia toda feita de papel crepom vermelho. No sábado à tarde, na praça central da cidade, sob uma chuva torrencial, a roupa derreteu inteirinha, deixando o jovem culinarista apenas de sunga, todo escarlate do pescoço para baixo, que nem língua de criança pintada com chiclete.

Tem também o caso da mocinha que, mesmo não gostando de Carnaval, aceitou ir com as amigas ao baile do clube municipal. Dormiu das duas da madrugada às seis da manhã no confortável sofá do banheiro feminino. Esta mesma dublê de foliã, um pitéu aos dezoito anos de idade – hoje psicanalista de renome –, desferiu um mae-geri no estômago de um Batman que lhe passou a mão nas nádegas. Ficou lá o "super-herói", estatelado no salão, sem nada poder fazer contra as aulas de caratê que ela vinha frequentando havia quase um ano.

Mas a melhor dessas passagens momescas é a da filha da dona Glorinha, a Maria de Lurdes, que juntou todas as economias e foi para a capital fazer curso de esteticista. Um dia, telefonou e avisou à mãe que ia sair como destaque no abre-alas da Unidos da União do Império Imperial, uma escola de samba do segundo grupo.

Dona Glorinha, viúva há doze anos, religiosa, muito querida na vizinhança, espalhou a notícia por todo o bairro e, na noite de sexta-feira, reuniu mais de quarenta pessoas, entre amigos, parentes e curiosos, frente ao seu televisor para acompanhar o desfile. Em pleno sambódromo, no alto do primeiro carro, surgiu a Lurdinha, filmada de vários ângulos por oito câmeras diferentes, com nome e sobrenome na legenda lidos em voz alta pelo locutor da emissora, totalmente nua, peladinha da silva, só com um montinho de purpurina pouco abaixo do umbigo. Na sala lotada, ninguém ousou abrir a boca, muito menos a dona Glorinha. O infarto foi fulminante.

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