13/08/2019

UMA NOITE EM 89


Completara dezoito anos, mas ainda não sabia dirigir. Os vizinhos contemporâneos já davam voltas pelo quarteirão desde os quatorze, nos carros dos pais, enquanto ele, humildemente, fazia todas as suas viagens a pé ou de bicicleta. Que perdedor! Mesmo assim, sem que houvesse explicação para isso, as garotas se apaixonavam. Talvez por que fosse fã de Suzanne Vega e tivesse uma banda de rock.


Em seu bairro, no lugar onde hoje fica o Seven Rocks, existia outro bar, no qual as bandas locais podiam tocar cinco ou seis músicas por noite em troca de cervejas. Uma garrafa para cada integrante e mais nada. Por ser simpático, criado nas redondezas, permutava a bebida a que tinha direito por duas latas de Coca-Cola, uma para o começo e uma para o fim da jornada. Esse antigo estabelecimento era sombrio, com paredes pichadas e uma única lâmpada verde acima do palco. Nem era exatamente um palco, somente um tablado, em que cabiam grupos de pós-punk de três elementos, bem como big bands de doze músicos, incluindo naipe de metais. O público, os de sempre: pessoas conhecidas umas das outras, apesar de não se conhecerem de fato.


Há muito abandonara a ideia de virar músico profissional, não se dava com os caras que tocavam com ele ou com quaisquer caras do meio musical. Entretanto, havia uma garota que frequentava os shows – um dia na semana, todas às quintas – e que, de certa forma, não o deixava desistir. Várias vezes convenceu a banda a abrir mão de se apresentar em lugares melhores, com cachê, apenas para revê-la. Não era o tipo de mulher por quem um homem se masturba diariamente, nada disso. Para ele, ela não tinha peitos nem bunda nem vagina, tinha só olhar e sorriso, ambos de efeito hipnótico.


Antes de aceitar uma carona e levar seu contrabaixo para junto do restante dos instrumentos, mirava o ambiente. Precisava certificar-se de que ela estaria em algum canto, com seus olhos negros e cabelos azuis ou olhos azuis e cabelos negros (a luz esverdeada o fazia confundir as cores), discretamente a observá-lo, num jogo indefinível. Dançava, bebia, cantava e, ao final de tudo, desaparecia sem que ele pudesse lhe oferecer um refrigerante.

Quando o bar estava prestes a mudar de dono  para depois transformar-se no refinado e iluminado Seven Rocks , houve uma espécie de festival, com todos os grupos que por lá passaram nos últimos anos. Ao jovem baixista, já não interessavam as lembranças nem as bebidas nem a festa, queria vê-la novamente e, se lhe brotasse alguma coragem, pediria seu número de telefone.


Passava das quatro horas da madrugada. A van da banda buzinava na calçada, em frente à porta de entrada. Procurou a garota e entrou em pânico ao percebê-la se aproximando. Era quase tão alta quanto ele e tinha uma pele alva e lisa como jamais vira na vida. Ela deu um beijo em seu rosto, desconsiderou sua franja ensebada e disse com uma voz grave, mais adulta do que indicava a frágil aparência:


– My name is Luka!


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