14/05/2019

COMUNICAÇÃO


Eu estava de saída para levar a minha gata ao veterinário quando o telefone fixo tocou. Mesmo atrasado e não tendo reconhecido o número no identificador de chamadas, larguei a casinha com a bichana dentro e atendi pacientemente, torcendo apenas para que não fosse ninguém da Legião da Boa Vontade.

– Alô!
– É o senhor Dogman que está falando?
– É ele mesmo.
– Aqui é o Nailor, gerente do Banco Santo André.
– Pois não...
– Estou ligando para avisar que a sua conta está negativa.
– Meu amigo, eu nem tenho conta nesse banco.
– Bem, deve ter havido algum engano...
– Será?
– O senhor tem interesse em ser cliente do Santo André?
– Mas nem que fosse o último banco do mundo.
– Veja bem...
– Não vejo, não.

Respirei fundo, contei até dez e saí para cumprir a função de pai. Minha única filha (eu sei, é uma gata, não sou louco) acabara de passar por uma cirurgia para retirada de um tumor nas tetinhas e precisava consultar semanalmente.

Depois de alguns minutos na clínica, entre o momento de abrir a portinhola da jaula e a operação para resgatar a felina de cima do trilho da cortina, saí de lá com uma receita em mãos, na qual o zooiatra recomendava um 
spray miraculoso para ajudar na cicatrização. O papel timbrado, estampado com o logotipo de um cachorro enrolado em um estetoscópio, não deixava dúvidas de tratar-se de uma instituição de saúde estritamente animal.

Entrei, então, na drogaria mais tradicional da cidade, esquina de uma praça velha com um calçadão sujo. Abri a receita sobre o balcão e nem precisei de senha para ser atendido pelo farmacêutico.

– Meu jovem, por acaso tens esse remédio?

O rapaz, de jaleco impecavelmente branco, óculos bifocais, maior cara de cê-dê-efe e pinta de recém-formado, analisou o documento, leu e releu o nome do medicamento, coçou o queixo e perguntou, categórico:

– É para o senhor mesmo?
  

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