26/03/2021

MINHA VIDA DE CACHORRA


Aconteceu bem antes de eu conhecer o meu atual marido. Lembro, como se fosse hoje, do primeiro passeio no Fusca que eu acabara de comprar. Nós dois, lado a lado, minha mão pousada sobre a coxa dele. E que coxas tinha o Aurilúcio! Era o meu namorado na época. Depois de seis meses de enrolação, ele continuava desempregado, sem um puto na carteira para ajudar na gasolina, mas aquela paixão, do tipo que fazia a minha pepequinha latejar sempre que nos abraçávamos, me dava ânimo e esperança em dias melhores, além de lubrificação extra.

Sem desviar os olhos da estrada, eu disse:

– Vou te dar uma mesada.

Aurilúcio fez de conta que não ouviu. Na verdade, não ouviu mesmo, pois o motor do Fusca fazia muito barulho e eu precisei repetir. Percebi, então, apesar de ele não estar em condições de recusar nenhuma ajuda, que era humilhante demais para um marmanjo daquele tamanho, praticamente um jumento de três pernas, depender da namorada para pagar a academia e a depilação semanal dos músculos semitendinosos.

Eu insisti:

– Deixo o depósito agendado no banco, durante doze meses, você usa se quiser... se não precisar, deixa o dinheiro lá, fica pra nossa festa de casamento... hehe.

Ele se arrepiou inteirinho. Assim como nos outros homens, a simples menção da palavra "casamento" o deixou com o fiofó tão apertado quanto um tubo de pasta de dente no banheiro de um hostel. Aurilúcio baixou os olhos, resignado, depois aumentou o som e vislumbrou a paisagem. Nem as nuvens, nem as árvores, nem os bichos, nem os morros, nem a água corrente, nem os peitos que eu botei para fora da blusa a certa altura, nada o ajudava a manter uma ereção ou a compreender se aquela proposta era uma prova de amor ou – com o perdão do cacófato  apenas pena.


O Fusca deslizava esporrento pela serra. Passei minha mão pelos cabelos dele. E que cabelos macios tinha o Aurilúcio! Não resisti, ainda que o momento não fosse favorável, e perguntei que marca de condicionador ele usava. Sorrimos um para o outro. Resolvi deixar acontecer... carinhosamente, abri seu zíper e dirigi o restante da viagem alternando as trocas de marcha entre os dois câmbios, se é que me entendem.

Como eu dizia, lembro como se fosse hoje de tudo o que me aconteceu naquele ano: veio um emprego melhor, surgiram novos conhecidos, amantes, e até uma amiga de mãos grandes e voz grossa, muito atenciosa. A paixão virou um tormento, pois o Aurilúcio, além de brochar sempre que sentia o cheiro da minha chavasca no cio, também chorava cada vez que assistia ao comercial da Pedigree Champ na televisão.

O estafermo conseguiu gastar todo o dinheiro da mesada em roupas e tratamento para a impotência. Quando nos abraçávamos, eu sentia aquele volume em seu bolso, mas era somente o celular. E bastou que eu chegasse em casa mais cedo uma única vez para surpreendê-lo pintando as unhas com o meu esmalte preferido, o fúcsia. Foi a gota d'água! Usar os meus esmaltes sem permissão é imperdoável.