19/03/2019

FOME DE QUÊ?


Em priscas eras, namorei uma menina, glutona incorrigível, da alta sociedade. Isso faz um tempinho, claro. Algumas coisas só me aconteciam quando eu ainda não havia crescido e amadurecido. Era uma dessas patricinhas que se vestem de cor-de-rosa, do celular aos sapatos, e que já tem carro, guarda-costas e cartão de crédito antes mesmo de completar dezoito anos. Foi graças a ela 
– e à sua insaciável obsessão gastronômica  que aprendi as diferenças entre tainha e salmão, sidra e champanhe, berbigão e ostra, bolacha recheada e alfajor, lámen e rigatone, prato feito e à francesa. Frequentei restaurantes caríssimos, bistrôs chiquérrimos e outras tantas biroscas de gente rica, mesmo não tendo dinheiro nem para a gorjeta e nem para o sal de fruta.

Até hoje não sei o que aquela rapariga viu em mim. Não tínhamos assuntos em comum, não gostávamos dos mesmos filmes nem das mesmas músicas, seus pais não aprovavam o meu cabelo comprido e, a bem da verdade, ela era meio mal diagramada pela natureza e não sabia beijar direito. Seus lábios eram finos, secos, rígidos demais. Era como tentar abrir a concha de um mexilhão com a língua, dá para imaginar?


Mas nada disso agora tem grande importância. Foram diversos almoços e jantares na cobertura em que a família morava. Experimentei desde caviar e lagosta até tâmaras e nêsperas (que nada mais são do que as nossas ameixas amarelas), de molho béarnaise a crème brûlée, além de croque-monsieurcroque-madame, profiteroles e outros milhares de acepipes – preparados pela cozinheira particular  a fim de preencher os curtos intervalos entre as nababescas refeições.

Um ano e meio depois, com o fim do namoro, ainda custei um pouco a perder parte dos quinze quilos que ganhei durante o empanzinante romance. Mais ou menos na mesma época, os meus amigos, finalmente, deixaram de me chamar de Fat Ken. Então a vida continuou, porém, com o perdão do trocadilho, não voltou a ter o mesmo sabor. Às vezes lembro daqueles momentos culinários com alguma nostalgia, geralmente quando meu estômago começa a roncar. E sempre que penso na dondoquinha, com suas roupas cafonas, bolsas peludas, joias caríssimas, sobrancelhas tatuadas, gordurinhas localizadas e seu apetite descomunal, sinto uma vontade incontrolável de comer, sem nenhuma frescura, um pratarrão de macarrão com salsicha.

  


     

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