Mas não pretendia lembrar disso agora, então ligou a TV no canal de esportes, ao mesmo tempo em que perguntou no grupo o horário do jogo.
Era uma daquelas partidas das onze da manhã, pelo Brasileirão. O time para o qual torcia ocupava o quarto lugar na tabela. Vencendo, saltaria à vice-liderança; perdendo, a depender de outros resultados, poderia até cair fora da zona de classificação para a Sul-Americana. "Nos nossos domínios, contra esses fracassados, são três pontos garantidos", pensou.
Faltando meia hora para o início da peleja, decidiu que não se apresentaria à delegacia móvel do estádio, afinal, não poder ir ao campo somente por ter jogado uma bomba caseira na direção da torcida adversária era uma punição injusta e desproporcional. Aproveitou a espera para acessar uma de suas redes sociais e publicar ofensas e ameaças à equipe rival. Depois, ao conferir as escalações, fez também uma postagem chamando o técnico de burro.
Logo no pontapé inicial, após enxugar mais algumas cervejas diante da TV, celular em punho, usou a hashtag da emissora para demonstrar seu descontentamento com o narrador, que torcia contra; e com o comentarista, que não entendia de futebol, além de ser claramente gay e comunista. Ao árbitro do jogo, que não marcara um pênalti no primeiro lance de perigo, a indignação, em vez de texto, veio em voz alta:
– Só podia ser esse crioulo ladrão!
No intervalo, à repórter de campo, que usava máscara e mantinha distância ao entrevistar os jogadores, questionou retoricamente:
– Ué, não tomou vacina? Pra que essa máscara, vadia?
Decorridos alguns minutos do segundo período, os dois elencos pouco produziam. E ele, tendo passado a noite em claro, acabou cochilando ali mesmo, no sofá da sala. Despertou já nos acréscimos, assustado com um grito de gol do narrador inimigo. O apito final soou em seguida, confirmando a derrota dos locais pelo placar mínimo.
O torcedor solitário esfregou os olhos. Tomou um último gole de bebida quente, ao mesmo tempo em que perguntou no grupo se estava de pé a tocaia que haviam preparado para o ônibus dos visitantes. Só não lembrava é se tinham combinado no entorno do estádio ou na saída da cidade.
Antes de guardar o soco-inglês no bolso do moletom, virou-se para o dispositivo de inteligência artificial e ordenou:
– Alícia, toque o hino do meu time de coração!
Como sempre, o robô-aspirador nada respondeu, e continuou a faxinar o chão imundo.