30/04/2019

AUTOBIOGRAFIA AUTORIZADA


Vou confessar a vocês: sempre gostei de escrever, desde pequeno. Os meninos da rua em que eu morava se reuniam para jogar bola, soltar pipa ou andar de bicicleta, e eu ficava em casa, escrevendo, tocando violão ou lendo. Escrevia letras de música, roteiros, poemas, pequenos contos e até um diário relativamente secreto.

Minha mãe, quando lia alguma redação nos meus cadernos de escola, dizia afetuosamente: "Tu levas jeito pra cacete, meu filho". A primeira namorada, que às vezes roubava o meu diário para ver se eu não andava apaixonado por outra, também comentava: "Você leva jeito pra cacete, Cachorrinho". E as professoras de Língua Portuguesa, apesar de me considerarem um tanto disperso, elogiavam com frequência: "O senhor leva jeito para cacete, pode acreditar".

Até que me tornei um cacete, pois parecia ser essa a minha vocação.

Claro que joguei bola, soltei pipa e andei de bicicleta. Namorei outras meninas depois da primeira namorada. Entretanto, foi só lá pela oitava série que ganhei a primeira nota dez em Redação. No mesmo ano, o aluno mais desajustado da escola, o Miguel, publicou um livro. Lembro que, na época, apenas pensei com os meus botões: "Porra". Imediatamente, comecei a desenvolver uma saga que levou todo o segundo grau para chegar ao fim. Era uma história – sobre um guri de onze anos que descobria que tinha um tumor no cérebro e precisava dar um jeito de comer a empregada para não morrer virgem – que não se aplicava nem a crianças nem a adolescentes, portanto, impublicável.

Desiludido com a primeira tentativa fracassada, deixei a literatura de lado e comprei uma guitarra. Foi um período de vacas gordas. E também de vacas magras, altas, baixas, loiras, morenas, mulatas, novas, velhas e japonesas. Sobre dinheiro, não posso dizer nada, mas é certo que músicos ganham mais mulheres do que escritores.

Já na faculdade de Letras, década de 1990, uma adorável professora de Literatura voltou a repetir a frase que me era tão familiar: "Você leva jeito, rapazinho". "Pra cacete?", eu perguntei. "Não, não, acho que você dá para cronista". Dessa vez não me deixei influenciar. Nunca dei nem para cronista nem para contista nem para poeta.

Então, o tempo passou. Muito mais tempo do que eu gostaria, aliás. Li bastante e escrevi pouco, até sofrer um espasmo de lucidez (talvez fossem gases, não tenho certeza) e ganhar novo ânimo para exercitar esse meu dom: o dom de transformar fatos irrelevantes em entretenimento barato. Acredito ser agora a derradeira chance 
 depois de um livrinho publicado, escrevendo o segundo, com o blog reativado – de deixar de ser o cacete que sempre fui. Além de preservar a integridade das minhas partes peripopéticas, sobretudo aquela onde o sol não brilha e que só a terra há de comer.
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário